quinta-feira, março 28, 2024

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Camilo Castelo BrancoContos, Crônicas e Poesias

Uma praga rogada nas escadarias da forca, Conto de Camilo Castelo Branco

Uma praga rogada nas escadarias da forca

Este romance não deverá chamar-se “romance”. Desde que esta palavra é o atilho onde se enfeixam as mentirosas invenções do escritor fanático, não há história verdadeira que possa, como tal, recomendar-se com aquele título.
Estes acontecimentos, expostos aqui, segundo o formulário romântico, e afeiçoados às leis do estilo romântico, são verdades que não deram brado, nem se agravaram na memória da geração que as viu e as não compreende.
Na vida moral da sociedade há fenômenos cuja causa ninguém estuda. No drama da família há lances que são do domínio público, e o público não pode, ainda que o tente, explicá-los. Nas atribulações individualíssimas do homem há fases extraordinárias de sofrimento, que esta sociedade de entranhas cruéis lhe recrimina, reputando-lhes efeitos necessários das causas, consequências do crime voluntário.
A sociedade, a família, e o homem expiam incessantemente a culpa do homem, da família e da sociedade. Opera-se uma contínua redenção do gênero humano. O homem é, desde o seu princípio, a vítima da culpa com o lábio colocado no cálice da agonia.
A vida sobre a terra é uma interminável expiação. Eu pago pelos crimes do meu pai, meus filhos expiando meus crimes, e o último ser vivo da animalidade inteligente será o holocausto do primeiro homem criminoso. É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural, ao misticismo da providência culta para compreender o que vulgarmente se diz “fatalidade”.
Na história, que vai ser lida, é tão sensível esta necessidade, tão aterrado se sente o espírito diante de um fato consumado, que eu não tive escrúpulo religioso ou filosófico em subordinar um encadeamento de infortúnios de uma família à praga rogada nas escadas da forca.

***

Bernardo da Silva era um filho bastardo de uma podre de Viseu. Do ventre materno passou à roda dos expostos e daí aos cuidados de uma mulher da aldeia.
Aos dez anos não conhecia pai; e a sua mãe, mulher do povo, arrastada sobre a lama da plebe toda a sua vida, morrera com o segredo do nobre, que se dignara descer até ela para honrá-la com desonra.
Bernardo, aos dez anos, era aprendiz de alfaiate, e de todos os seus companheiros era ele o mais desprezado, porque também era o mais preguiçoso.
O rapaz vivia triste como se a idade lhe permitisse compreender a dor imensa de um grande desastre. Lá dentro daquele coração infantil falava uma profecia fúnebre. Com os olhos sempre extáticos no horizonte negro do seu futuro, o pobre rapaz não tinha uma hora livre para o trabalho. Muitas vezes uma bofetada acordava-o daquele letargo; e o braço, que estava suspenso com a agulha, continuava a tarefa molhada de lágrimas.
Aos 13 anos, era ainda um aprendiz de alfaiate, repelido deste para aquele mestre, desacreditado em todos, e inutilmente espancado por todos. Chamavam-no incorrigível, e ele mesmo conheceu que o era.
Abandonou a agulha, e foi servir em casa de Francisco de Lucena. Era, aí, como em toda a parte, conhecido pelo “Bernardo Enjeitado”. Nunca ninguém se lembrou de reputá-lo filho de alguém nem Lucena se lembrou, alguma vez, de que um dos seus muitos filhos, atirados à roda, poderia ser seu lacaio.
Bernardo era criado de tábua.

***

Este ofício era-lhe mais generoso que o de alfaiate. Tinha muitas horas livres para a sua melancolia, e muitos esconderijos no amplo palácio do seu amo para refugiar-se de uma sociedade que ele detestava sem saber porquê.
Este viver excepcional naquela classe galhofeira, estúrdia, e estragada, excitou a curiosidade dos seus companheiros, e, depois, a dos amos, Aqueles crasqueavam-no com desabrimento: estes admiravam-no por compaixão.
Bernardo chorava sem motivo. Sorria-se com violência. Era humilde com um não sei quê de estranha delicadeza. Destacava-se da sua classe com um ar orgulhoso, mas não calculado. Cumpria as suas muitas obrigações, e ninguém sabia quando as cumpria. Estas qualidades, raríssimas vezes encontradas num lacaio, tornavam-no assunto para os amos, que começavam a interessar-se na análise daquele obscuro enjeitado.
Guardadas as inauferíveis distâncias que separam o senhor do servo, os fidalgos souberam que Bernardo desejava muito saber ler, e gastava a maior parte da noite soletrando o abecedário, decorando as lições que o mordomo da casa lhe dava nas horas de desenfado.
Qualquer que fosse o impulso que a isso o levou, é certo que o amo, por um nobre impulso, permitiu que o rapaz fosse a uma escola, e para isso aliviou-o dos encargos de moço de tábua, e elevou-o à hierarquia de escudeiro do menino mais velho.

***

Um ano depois, Bernardo fizera admiráveis progressos. Lia com inteligência o que lia; escrevia com acerto, e aprendera só consigo a gramática portuguesa, visto que os seus amos lhe tinham permitido esta segunda parte dos seus estudos. Seria um caprichoso luxo permitir ao servo ciência que os amos não tinham! O Senhor de Lucena não daria o menor dos seus galgos pela vasta ciência do Lobato. E, talvez, tivesse razão.
Em casa de fidalgo desta bitola, quando um criado adquire a confiança dos amos, há sempre para isso uma de duas razões. Ou o criado, devasso como eles, encobre astuciosamente as devassidões dos amos; ou se torna estimável pelo zelo honroso com que procura encobrir-lhes, já que não pode repreender-lhes.
Bernardo estava na segunda razão. Os filhos de Lucena eram livres e desmoralizados a não poder ser mais. Quiseram captar a benevolência do servo, não para aconselhá-los, que não desciam eles a isso, mas para acompanhá-los em empresas difíceis, daquelas em que o braço do plebeu é muitas vezes a salvação das costas do fidalgo.
Não o conseguiram nunca; mas também não tiveram de arrepender-se da confiança deste convite. Bernardo exercia uma influência admirável sobre os nobres libertinos. Era a superioridade da inteligência. Ouviam-no, e maravilhavam-se do acerto das suas ideias, e da linguagem escolhida com que o enjeitado se saía! O fato de ser enjeitado era em Bernardo, talvez, um motivo de superstição naquela casa. Se ele fosse reconhecido filho de algum borra-botas, com em linguagem nobiliárquica se chama um plebeu, decerto lhe não dariam a importância do considerarem pela inteligência. Mas o mistério, a possibilidade de ser vergôntea infeliz de um tronco ilustre, cingiam-lhe a cara de uma auréola entre nuvens, que poderia talvez, mais tarde, dissipar-se, e deixar na plenitude da sua luz aquele fruto do amor criminoso de alguma raça nobilíssima, mais ou menos aparentada com os Lucenas!
Tudo isso era possível; mas o que eles julgariam, entretanto, impossível, é o que vai ler-se.

***

A família que Bernardo servia compunha-se de pai, mãe, três filhos, e uma filha, de todos os irmãos a mais nova. Por então contava quinze anos. Era bonita, mas pobre. Os morgados não a pediam; os filhos segundos também não; e a sensível menina precisava amar, porque seu coração era da têmpera daqueles que não sabem conceber somente o amor com a condicional do casamento.
Eulália não tinha a mais superficial tintura de instrução, e por isso não podemos, em boa-fé, chamar-lhe romântica. Não era janeleira, nem rapinhava da papeleira dos irmãos o perfumado papel-cetim para depósito de sensaborias amorosas, e por isso não podemos chamar-lhe doida.
Era uma mulher, e nisto está dito tudo.
Este Bernardo é que realmente se parecia muito com os nossos poetas de aspirações ferventes e meditações profundas. Mas não era impostor, nem romanticamente parvo. O rapaz tinha uma alma como poucas, e uma tristeza inconsolável como nenhuma. “A minha organização — dizia ele — é um aborto, uma enfermidade incurável”.
Eulália simpatizava com aquela tristeza, e com a figura do rapaz. Achava-lhe traços de semelhança com os seus irmãos, e via nele o que ela chamava “cara de pessoa de bem”. E, conquanto eu deteste esta maneira de classificar as caras, porque não conheço as “caras de pessoas do mal” tenho-me visto em circunstâncias forçadas de dizer o mesmo, porque há neste vale de lágrimas umas caras que não exprimem bem nem mal, e essas são as piores caras.
Bernardo não se lembrou nunca de fazer sentir à cozinheira da casa, e menos se lembraria de acender o fogo do amor no ilustre coração de uma Lucena, com quem em toda a sua vida falara três vezes.
Eulália passou da doce simpatia ao amor abrasado, e do amor abrasado à paixão violenta. Por mais finos e eloquentes olhares que a fogosa menina lançou ao escudeiro, o escudeiro, ou não dava por eles, ou explicava-se de qualquer modo, contanto que não ousasse ensoberbecer-se daquele fato disparatado. E Eulália desesperava-se!

***

Francisco de Lucena espreitava a oportunidade de empurrar a filha para fora de casa. Aspirou, primeiro, aos morgados; mas encontrou-os pouco apreciadores de formosura e fidalguia. Recorreu, depois, aos burgueses ricos, e encontrou um negociante de alto bordo, que recebeu a proposta com afabilidade e trabalhou desde logo em levar a fim um casamento que permitia aos filhos do seu filho apelidarem-se Lucenas.
O pai anunciou à filha o seu rico futuro, e encontrou-a fria. Apresentou-lhe o noivo, e viu-a enjoada. O noivo, porém, era um rapaz de fina educação, de alguma inteligência, de brios que o ouro lhe estimulava, e de orgulho superior à sua classe, porque, há 50 anos, a classe comercial era muito humilde, suposto já trabalhasse para esta época de barões comerciais, que, digam lá o que disserem, é o mais palpitante triunfo da democracia. Para me não meter em graves questões, entenda-se que D. Eulália repeliu a felicidade que o seu pai lhe anunciara com tanto júbilo, e declarou-se sentimental, por tempo de quinze dias fechada no seu quarto, sem querer ver o sol nem a lua.
Mas o pai apoquentava-se, sempre que podia, pintando-lhe a mesquinhez do seu futuro, e a pobreza da sua legítima, que orçaria por três mil ducados. E era isto verdade.

***

E o pior era que o tal João Leite, noivo repelido, ficou amando desesperadamente D. Eulália. Ferido no seu amor-próprio, e envergonhado de tão má estreia, instara com Francisco de Lucena, lançando-lhe em rosto a imprudência com que viera roubá-lo à sua tranquilidade, não podendo contar com a obediência da sua filha. Esta maneira de acusar vexava Francisco de Lucena, porque era por em dúvida o seu poder paternal, e chamar-lhe fraco, imputação que ele odiava, ainda mesmo que se tratasse de vencer a repugnância de uma fraca menina.
Redobravam as mortificações, e Eulália, imóvel como o seu infeliz amor, oferecia-se de bom grado à vingança paternal, mas dizia, em linguagem trágica, que só reduzida a cadáver passaria para a posse do tal miserável, que não tinha vergonha de perseguir uma mulher que o desprezava. O pai realizou o dito popular: “casar, ou meter freira”. Eulália optou pelo segundo, e os preparativos para entrar no convento começaram.
O amor faz a mulher varonil. Temos visto almas de lama apresentarem uma energia corajosa, quando o tônico do amor lhes vibras as cordas embrionárias de um coração, que parece arfar de improviso ao repentino choque, ao rapto da paixão violenta.
Nas vésperas da sua entrada no mosteiro, Eulália escreveu três cartas. Uma ao seu pai. Dizia-lhe que amara um só homem, e viveria desse amor desgraçado toda a sua vida.
Outra ao escudeiro. Dizia-lhe que tivesse compaixão dela, e chorasse uma lágrima em troca das que ela chorara, e choraria até à morte.
Outra ao seu implacável pretendente. Dizia-lhe que o amaldiçoa com todo o ódio do seu coração. Que lhe atirara a cara com um não, e nem assim o envergonhara de continuar a perseguir uma mulher.
Esta correspondência conservou-a Eulália até ao momento que transpôs o limiar do convento. O seu primeiro ato foi dar-lhe o destino competente.
Depois, chorou, chorou, e atraiu em volta de si os carinhos da comunidade, que a mortificava com as suas frias consolações.

***

Francisco de Lucena recebeu com espanto semelhante carta.
Bernardo da Silva embruteceu-se ao ler a sua.
João Leite deu quatro murros numa mesa, e sentiu-se suspenso no ar por uma legião de demônios raivosos.
Cada um fez seu papel; mas todos três reunidos deviam formar um grupo digno da melhor caricatura inédita!
Francisco de Lucena correu ao locutório do mosteiro, e fez ali aparecer imperiosamente a filha.
Quis forçá-la a declarar o nome do homem que a preocupava até a fazer má filha. Não lhe arrancou a menor revelação. Foi por outro caminho para chegar ao seu fim. Fez-se sentimental; lamentou, como bom pai, as paixões invencíveis de uma filha que despreza com extremo carinho; contou histórias análogas, que acabavam todas por casamentos desiguais, mas nem por isso menos venturoso. Pediu a sua filha o nome desse homem que a impressionara, e fez-lhe antegozar a possibilidade de casar-se, se não viesse dali uma absoluta desonra para a sua família.
O amor faz heróis, mas também faz poetas. Eulália desceu da sua altiva energia ao raso da toleima. Declarou o nome… o nome de quem? o nome, sem nome, do enjeitado, do aprendiz de alfaiate, o lacaio, do escudeiro!…
Que horror!
Nunca se viu um solavanco mais desamparado que o salto de tigre que Francisco de Lucena deu contra a grade que o separava da filha! Por Deus! que a esgana se lhe chega! A pobre menina arrepiada como quem vê um lobo com as faces vermelhas, e as unhas recurvas, foge pelo dormitório, e fecha-se no quarto.

***

Lucena correu a casa com os olhos injetados de fogo. Precisava de uma vítima! Encontrou no caminho João Leite, mas este não podia justificadamente ser sua vítima. João Leite mostra-lhe a carta que recebera de Eulália. Isto foi exacerbá-lo. “Não se lhe dê de ser repelido por essa infame — disse-lhe ele. — Eu vou provar-lhe que sou pai!… Essa mulher amava um escudeiro… um lacaio… um enjeitado…”
Entrando em casa, procurou o “enjeitado”. Encontrou-o ainda estupidamente absorvido na meditação daquela carta. A entrada rápida que fez no quarto não deu tempo a que Bernardo escondesse a carta que tinha aberta nas mãos trêmulas. Lucena arrancou-lhe com uma convulsão de raiva superior à fúria de um demente. Passou-a pelos olhos, e, sem articular um som, lançou mão de uma cadeira, e, à segunda pancada, Bernardo tinha a face coberta de sangue. Era um sangue inocente que reclamava justiça. Era um sangue inocente que pedia a intervenção de Deus. A justiça, filha legítima do céu, virá mais tarde salpicar daquele sangue a face de quem o derramava.
Bernardo, ferido, e pisado de sucessivas pancadas, não pronunciava uma só palavra durante este infernal martírio. Impelido por pontapés, foi lançado fora da porta do quarto. As forças faltaram-lhe. O sangue corria a jorros. Esvaiu-se a cabeça, e caiu.
O fidalgo chamou dois criados, e mandou pôr aquele homem fora da porta. Era ao anoitecer. O enjeitado foi arremessado à rua. Quando recuperou os sentidos, achou-se frio. Ergueu-se. Olhou com os olhos da alma para a sua consciência, e sentiu pela primeira vez vontade de sorrir da sua desgraça pelos lábios molhados de fel.
E riu-se. Era um sorriso semelhante ao dos anjos.
As almas que podem sorrir assim são as que Deus elege para a santidade da bem-aventurança.

***

Bernardo procurou um refúgio em casa de uma mulher pobre que o tratara sempre com amor, matando-lhe a fome, quando a aprendizagem de alfaiataria não valia o pão de cada dia. Esta mulher fora ama da roda no tempo em que
Bernardo lá fora lançado. Supunha ela que talvez o tivesse alimentado ao seu seio por algumas horas, e esta só conjetura atraía-a para ele com instinto maternal.
O enjeitado pensou-se dos leves ferimentos, e pediu a Deus que lhe inspirasse um destino. Esperou.
Em Viseu, falava-se muito deste sucesso, divulgado por Francisco de Lucena, e por João Leite.
Bernardo era procurado para ser punido, e quem mais diligências fazia para isso era o juiz de fora Paulo Botelho.
O honrado rapaz, quando se viu na penosa situação de agenciar a sua vida, por não poder sair da pobre casa em que vivia, impelido pela sua inocência, procurou o juiz de fora e expôs-lhe com a mais eloquente naturalidade a injustiça com que fora maltratado, e com que estava sendo perseguido.
Paulo Botelho quis espancá-lo com um chicote por ter tido a audácia de entrar na sua casa sem ferros aos pés. Olhou em redor de si procurando um aguazil para fazê-lo prender traiçoeiramente; mas o generoso mancebo, adivinhando-lhe as intenções disse que não precisava fingir-se; que ele dava a sua palavra de honra de não retirar-se da casa em que estava vivendo, e que mandasse sua senhoria capturá-lo quando quisesse. O juiz riu-se da palavra de honra na boca de um criado de servir, e mandou-o embora, por não ter a propósito um meirinho.
Bernardo encontrou, nas escadas do ministro, João Leite, que apeava de uma liteira, segundo o uso dos nobres, comprado pelo ouro do burguês opulento.
João Leite fixou-o com ar de soberano desprezo e perguntou-lhe:
— És tu o lacaio de Francisco de Lucena?
— Fui o lacaio do Sr. Francisco de Lucena — respondeu Bernardo com dignidade.
— E tens o atrevimento de aparecer entre as pessoas de bem?
Bernardo sufocou uma resposta amarga, e fez uma continência respeitosa para retirar-se.
— Vem cá, miserável! — disse João Leite. — Tu és o amante da filha do teu amo?
— Respeitei-a muito, por ser filha do meu amo, enquanto o servi. Hoje, respeito-a, porque lhe não conheço a menor falta que a desonre!
— Nem ao menos a desonra de receber as tuas afeições, lacaio?
— Eu não lhas ofereci nunca, senhor.
— Ofereceu-lhe ela, sevandija?
— Não, senhor.
— Mas ela escrevia-te…
— Então achas que não é crime escrever a um bandalho?
— Será, se a vossa excelência o quer…
— Tenho pena de seres um réptil que faz nojo esmagar com a sola da bota! Se tivesses um nome…
— Tenho caráter, senhor!
Bernardo respondeu com altivez; João Leite riu-se com desprezo, e olhando-o da cabeça aos pés, replicou:
— Tu sabes que não podes ter caráter, enjeitado!
— Então, terei um braço…
— Um braço! — atalhou o fidalgo em projeto, imprimindo-lhe um valente pontapé, que o fez descer três escadas maquinalmente.
Bernardo assumira toda a dignidade do homem de coração ultrajado. João Leite achou-se comprimido entre os braços do sevandija que ele supunha fugir ao primeiro pontapé para evitar o segundo.
Quis desfazer-se, de pronto, deste empecilho, e não pôde, porque os pés falsearam-lhe, e as costas bateram-lhe com todo o peso sobre os degraus de pedra. Tirou rápido de um punhal, e roçou, com ele duas vezes sobre o braço direito de Bernardo, que o desarmou, no ato que uma terceira punhalada lhe resvalara no peito. O enjeitado sentiu-se ferido: vacilou um instante na resolução que se debatia entre homicídio e o perdão. Venceu o primeiro. Aquele punhal tinto de sangue inocente, pela segunda vez, derramado, entrou no coração de João Leite, e matou-o.
Isto foi obra de alguns segundos, João Leite gritara nas convulsões da morte; acudiram os criados, e encontraram Bernardo da Silva, de braços cruzados ao pé do cadáver, que vibrava nos seus derradeiros entorpecimentos.
Paulo Botelho também acudiu. Primeiro recuou aterrado, depois gritou “Matem esse homem!” E vendo que ninguém de pronto lhe aceitava o diploma de assassino, mandou-o carregar de ferros.
Bernardo caminho para o cárcere, com a cara altiva, com nobreza de passo, com serenidade de consciência e maneira de um príncipe, segundo a linguagem popular dos que viram.

***

Foi processado. Paulo Botelho desenvolveu uma espantosa energia no andamento desta causa crime. Erguia-se todos os dias, sôfrego de escrever uma sentença de forca.
Os depoimentos eram todos contrários ao infeliz. Um só homem protegeu esse preso; sabia-se que era um ancião que lhe levava umas sopas diariamente, e palavras consoladoras de esperança sem esperança.
Eulália, sabendo estes acontecimentos até à véspera do dia em que o escudeiro devia ser condenado, requereu que queria se ouvida em juízo. Não lhe admitiram o seu depoimento. A pobre menina, inspirada da eloquência do martírio, entrou um dia no coro, quando a comunidade orava, e invocou o testemunho de Jesus Cristo, exclamando, de modo que a escutasse o povo que estava na igreja:
— Declaro que esse infeliz homem que vai morrer, depois de martirizado pelo meu pai, e apunhalado por um homem que desprezei, declaro diante de Deus e dos homens, que esse infeliz nunca me disse uma palavra só para que eu o amasse. Fui eu que o amei, fui eu que o fiz desgraçado, mas em recompensa hei de amá-lo toda a minha vida, e hei de unir-me a ele na presença de Deus! — Era uma demência!
Foi grande o assombro dos que a ouviram. O eco deste grito chegou aos ouvidos de Paulo Botelho, que estava presente; mas a sua alma fora cerrada pela mão corrupta do ouro. O povo murmurava, e dizia que não havia de ser enforcado o escudeiro.
Pobre povo, naqueles dias, se tentasse tirar das mão de um juiz o seu instrumento inauferível, o carrasco!

***

Bernardo foi condenado à pena última. Ergueu-se uma forca nas proximidades do delito entre a casa do juiz e a de Francisco de Lucena.
Eulália exaltara-se no martírio até causar receios de loucura. Inspiravam-se de uma dor de morte as exclamações pungentes que soltava a cada ruído que ouvia semelhante ao arranco retraído de um justiçado. O espetáculo da forca era a sua ideia fixa desde o momento que uma religiosa imprudente lhe anunciou o destino de Bernardo da Silva.
A infeliz, na madrugada do dia da execução, fugiu da cela com os cabelos em desordem, com as faces chamejantes de febre, com os olhos embriagados de delito, e com o coração a estalar-lhe de uma dor que a endoidecia.
Chegando à portaria não houve forças humanas que a contivessem. Os ferrolhos cederam ao impulso de uma fraca mulher, forte da sua desesperação; e esta virgem, com hábitos de noviça, e bela, na sua agonia, como um corpo epitético que se levanta amortalhado do esquife, corria por entre as multidões que começavam a aglomerar-se para testemunharem o desconjuntar dos ossos do pescoço de um padecente entre as mãos do carrasco, seu irmão, ambos filhos do mesmo Deus, ambos remidos pelo sangue do mesmo Cristo.
Viram-na as multidões passar; muitos a conheceram: alguns pronunciaram o seu nome, mas aquela pomba, ferida de morte, era um cadáver que se movia impelido pelo choque da pilha galvânica.
Erguera-se um alarido na cidade. As turbas corriam na direção da infeliz, a quem chamavam de doida; mas não ousou alguém embargar o passo àquela mulher que parecia fascinar com a majestade da sua demência.
Os que a seguiam esperavam vê-la entrar em casa do seu pai. Enganaram-se, Eulália subiu as escadas de Paulo de Botelho, e entrou no salão onde fora lavrada a sentença de cadafalso para Bernardo da Silva.
Paulo Botelho estremeceu na cadeira, quando viu aquela alvejar de uma larva, ajoelhada nos degraus da tribuna.
Deu-se um profundo silêncio de alguns minutos.
Eulália já não podia coordenar as ideias que poucos dias antes clamara no coro. O sorriso da loucura, o gemido sufocante, uma lágrima embebida logo no ardor das faces, e algumas palavras entaladas, e empanes inteligíveis, eram alternativas que a tornaram mais lastimável durante alguns minutos.
A mulher e três filhas de Paulo Botelho, que a viram entrar, correram ao tribunal, e quiseram arrastá-la dali. Era impossível. A estátua parecia chumbada sobre o seu túmulo.
A família do juiz julgou conveniente empregar o insulto como solução. Falavam do justiçado com certa náusea, que elas supuseram ser o bálsamo para a ferida mortal de Eulália. Paulo Botelho, coadjuvando as razões da sua família, cobria de impropérios afrontosos o homem que, pouco depois, havia de perdoar as injúrias com a cabeça do lado da forca.
A exaltação aflitiva de Eulália tinha tocado o ponto culminante da morte, ou da alienação irremediável.
— Inocente! Inocente! — eram os gritos únicos, as derradeiras palavras que os lábios daquela mulher tinham de proferir.

***

Neste momento entrou um homem que redobrou o espanto. Era Pedro Leite, pai de João Leite.
Este homem fez sinal de querer falar. Atenderam-no todos com religioso respeito.
As suas palavras foram:
— Perdoo ao assassino do meu filho! O sangue desse homem cairá sobre a minha face! Matou defendendo-se de um agressor infame! Senhor juiz de fora, requeiro a suspensão da execução da sentença. Eu sou parte, e declaro inocente o réu!
Seguiram-se minutos de uma estupefação natural. Eulália voltou os olhos para o homem que falara, quis arrastar-se de joelhos aos pés dele; não pôde; a impressão devia matá-la, ou ressuscitá-la… desmaiou a meio caminho.
O juiz era o algoz moral criado pelo ouro, assim como o carrasco físico fora criado pela lei. Não podia eximir-se a pegar do cutelo, e seguir seu caminho.
— É tarde! — respondeu ele.
— Não é tarde! — replicou Pedro Leite, e continuou com solene exaltação: — Tarde, senhor juiz, é depois que o tribunal do mundo se fecha atrás daquele que vai entrar no tribunal de Deus! Tarde, é quando um juiz de entranhas ferozes se apresenta no banco dos réus condenados com a face borrifada de sangue inocente!
— Basta! — exclamou Paulo Botelho com autoridade.
— Pois sim… basta! mas, abaixo de Deus, invoco o testemunho das pessoas que me escutam. Declaro que lavo as mãos deste sangue inocente que vai ser derramado!
O povo murmurou com acanhamento, com a consciência cobarde da sua nulidade, mas balbuciou não sei que palavras que irritaram o juiz.
— Não se trata só de punir o assassino de João Leite! — exclamou o juiz. — Trata-se de castigar a afronta que recebeu um nobre, feita por um lacaio que ousou levantar os olhos de amante para sua filha!
— Não, não! — gritou Eulália, erguendo-se com ímpeto, com as mãos postas, e caindo outra vez sobre os joelhos.
O cínico já não tinha coragem para tanto! Soara a hora do último mandato do carcereiro. Expirara o último instante do oratório.
— Cumpra-se a lei!
Disse o juiz, e fez menção de retirarem-se as ondas de povo que tinham concorrido em tropel, chamadas pelos gritos de Eulália, e pelo perdão público de Pedro Leite.
Eulália foi conduzida em braços para o interior da habitação do juiz.

***

A procissão onde a imprudência colocara um cristo, o Deus da caridade, nas mão de um padecente, que ia ser esmagado!… a procissão, onde se via um homem de túnica branca, um algoz de cutelo e alcova, alguns sacerdotes de um Deus misericordioso!… A procissão descia terrível de repulsiva solenidade para o açougue daquela rês! A tumba da misericórdia fechava aquela orgia de sangue! Era um insulta a Deus! O cadáver de um homem atirado à face do Criador! Um escárnio satânico à inteligência, e ao coração da humanidade!
O préstito parou na praça do sacrifício.
Bernardo com os olhos fitos no céu via nascer a risonha aurora da eternidade. Sorriam-lhe os anjos, e a justiça de Deus mostrava-lhe o seu regaço. A morte do justo era um crepúsculo de nova existência a iluminar-lhe o rosto. Inspirava devoção aquele seu santo sorrir para o seio do céu que se lhe abria! Trazia nas mãos a imagem do Redentor; mas lá em cima via ele o Espírito Criador, a grande alma, onde se refugiam as almas dispersas na face deste mundo, e perseguida pelo demônio da ira, e da vingança, eternamente encarnado no homem, a quem a sociedade entregou o azorrague da flagelação do virtuoso.
Bernardo caminhava a passo firme para a escada da forca. Estavam contraídas as respirações. Um gemido menos sufocado, podia ser ouvido por quinze mil almas que vieram contemplar aquele aparelho de morte, segundo a lei, formulada pelas inspirações do Evangelho! pelo código dos perdões! pelos preceitos do Filho de Deus que morrera, perdoando!

***

Através da multidão abriu-se uma clareira para deixar passar um homem que devia representar um principal papel naquele festim da lei.
Convergiam todas as atenções para aquele ponto.
Era Pedro Leite — ainda o pregoeiro da inocência de Bernardo, com a face cadavérica das longas noites que chorara sobre o túmulo se o seu filho único.
Quem disse a este homem que Bernardo Silva era inocente?
Fenômenos ocultos da Providência! A voz de Deus, soando pelos lábios do mistério! Explicai-me as operações de Deus, e eu vos explicarei a inspiração sobrenatural que obriga a balbuciarem o perdão os lábios que beijaram morto um filho estremecido…
Pedro Leite aproximou-se do justiçado. Ninguém lhe embargou o passo.
Cheio de majestade, de poesia fúnebre, e de santo terror, falou assim:
— Eu venho pedir o seu perdão à beira do patíbulo. Fui eu que o arrastei até ao tribunal em que foi condenado; mas não sou eu que o arrasto aqui. Bradei em favor da sua inocência. Pedi, há momentos, a suspensão deste ato, em que a minha dor será mais… muito mais prolongada que a sua. Não me ouviram: impuseram-me silêncio, e mandaram-me sair do santuário da lei, que resfolegava sangue pela boca do seu sacerdote.
“Venho pedir o seu perdão, nas escadas da forca, e vazar o fel, que me devora a consciência, na consciência do juiz implacável que pede a sua cabeça a altos gritos!”
Ouviu-se um prolongado murmúrio. Era a onda popular que referia sopesada entre as rochas da sua impotência moral, naqueles dias, em que o sangue de um plebeu continuava a operação regeneradora do sangue de Jesus Cristo.
Bernardo ouviu com presença de espírito a exclamação de Pedro Leite.
Foram as sua palavras únicas.
Choraram-se então muitas lágrimas. A piedade teve uma explosão, que as coronhas dos soldados reprimiram. As turbas queriam rasgar o quadrado para arrancarem da morte um santo. Este conflito foi serenado por outro mais sublime. Ouviu-se uma voz. Viu-se um homem que sobressaía entre os mais populares. Era o velho, protetor único de Bernardo Silva, durante a sua prisão. Poucos o conheciam.
— Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho que morre enforcado! Nobre Francisco de Lucena! Vem ver o filho da mulher que desonraste, como é nobre nas escadas da forca! Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho, o filho da minha filha, que borrifa os teus pergaminhos com o sangue ilustre!
E calou-se. Calaram-se todos. E aquele homem lá estava erguido como o anjo dos túmulos à espera que Deus mande quebrar a lousa de uma mulher que há falta nesse transe aflitivo!
Essa mulher morrera, desonrada, sufocada pela mão ignomínia, a que a soberania fidalga de Francisco de Lucena a abandonara.
Esse ancião era o pai dessa mulher, único que recebera nos seus braços o filho da desonra, único sabedor daquela existência, que acompanhou sempre, porque lhe marcara um braço com uma cruz. Desde o ventre à forca, de longe, desconhecido, com segredo da desonra da sua filha abafado no coração este homem seguira os vestígios do neto, sem declará-lo nunca, porque um apelido ilustre não o salvara a ele de uma ilustre ignomínia.
Que impressão fez este homem nas turbas! A do espanto. Mas, momentos depois, chamavam-lhe DOIDO. Por ordem do juiz de fora ia ser preso o demente. Aproximou-se a justiça del-rei. “É doido!…” dizia o meirinho ao lançar-lhe a mão.
Há de consumar-se aquele enredo de peripécias terríveis.
Bernardo pôs o pé direito na última prancha da forca. Voltou-se para o povo. Brilhou-lhe à face o clarão de um outro mundo. A sua voz era melodiosa como o cântico do anjo da morte, suavíssima: mas naquele todo via-se a terrível majestade do anjo do dia fatal. As sua últimas palavras foram estas:
— Ouvi a praga de um padecente, rogada nas escadarias da forca:

QUE A JUSTIÇA DE DEUS SE CUMPRA
NA PRESENÇA DOS HOMENS.

***

Passaram quinze dias.
Eulália de Lucena recuperou o juízo, e entrara no mosteiro. Um ano depois, professara. A sua vida foram três anos de adoração extática. Ouviram-na murmurar palavras celestes, como em diálogo. Dizia-se que um anjo devia de aparecer-lhe naqueles arroubamentos. Chamavam-lhe santa, e adoraram-na morta.
Passados quatro anos, Francisco de Lucena, sempre afastado da sua filha pela mão do remorso, morreu de repente no mesmo local em que fora hasteada a forca.
Simão Botelho, filho de Paulo Botelho, dera um tiro no seu pai. O pai quis sentenciá-lo: deu-lhe sentença de forca, que depois lhe foi comutada em degredo perpétuo. Apenas desembarcou em Cabo Verde, abriu-lhe uma sepultura.
Paulo Botelho, desembargador aposentado, dez anos depois, morria à vigésima quinta punhalada, que recebera, por não dar exatas informações de um pecúlio de cinquenta mil cruzados, que guardava num a quinta nas vizinhanças de Vila Real.
A mulher de Paulo Botelho morria doida no hospital de São José um ano depois.
Restavam três filhas de Paulo Botelho. Foram devassas até ao escândalo de serem arrastadas a um recolhimento por expresso mandato régio.
Uma apareceu morta num aqueduto por onde procurava evadir-se. Outra casou com um homem que a retalhou de martírios. A terceira enforcou-se no batente de uma porta.

A JUSTIÇA DE DEUS SE
CUMPRA NA PRESENÇA DOS HOMENS.

A praga do justiçado nas escadas da forca teve o seu complemento no gênero de morte que a última pessoa daquela família se dera.
Forca por forca.
Tendes a curiosidade das averiguações. Procurai em alguns cartórios de Viseu a sentença pronunciada entre 1776 e 1780.

***

Não sou contumaz, nem ufano de relapsia. De outro que disse me desligo, se algum inquisidor intolerável deparar aí heresia, contrassenso, atrevimento ou coisa que dúvida faça contra Plútus, único deus da única religião cujo código penal me intimida.
Há coisas incríveis neste volume? É que eu, e os meus amigos literatos, poetas, jornalistas, e até redatores encartados de necrológios sabemos passagens que arrepiam carnes e cabelos. Se o siso comum as não adota, é que os cronistas do tempo foram, à parte, um status instatu, coisa ininteligível aos que sabem latim, por grande fortuna sua.
Neste sinedrim há uma moral, estragada se o quiserem, mas os evangelistas, que a propagam, são Catões, contanto que os não obrigue a inquietar a sadia tranquilidade dos intestinos. Aqui, não se sacrifica um dedo a uma pisadela porque não vale a pena.
É necessário escrever, visto que há leitores.
Eu, e os meus correligionários, se até hoje não temos irradiado sobre a humanidade ondas de luz, é porque a humanidade precisava ser, muito, a concha em que, por aqui se escondiam muitos moluscos morais, que vão saindo agora a espanejar-se ao sol.
Não quero dizer que os moluscos passassem a articulados. Pode muito bem ser que o leitor, ou leitora sejam ainda legítimos moluscos; mas a exceção deplorável não claudica a generalidade. E, portanto:
Eu, e os meus amigos, mencionados acima, considerando que a candeia não deve estar muito tempo debaixo do alqueire, nem os talentos (dinheiro) soterrados vencem juros; e tanto nós, outrossim, em muito afã e desvelo desafrontar a literatura pátria de injúrias com que estrangeiros e nacionais a desconceituam, desvairando como pobre de romances, pela sua incapacidade inventiva — o que não só é malícia, mas até aleivosia: resolvemos escrever romances em que figurassem muitas pessoas nossas conhecidas, e outras, que viremos a conhecer no decurso desta meritória tarefa. Pelo que, a mim, humilde entre os humildes apóstolos desta ideia lúcida, coube o quinhão de trabalho, que a posterioridade me devolverá em gabos e aplausos, e o futuro
Plutarco dos homens ilustres desta freguesia de Cedofeita, em que tenho a honra de morar, não deixará de consignar nos fatos gloriosos.

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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