quinta-feira, março 28, 2024

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Carlos Drummond de AndradeContos, Crônicas e Poesias

Viúva Loura, Carlos Drummond de Andrade

Viúva Loura

– “Viúva, 21 anos…”
– Tadinha. A vida é isso.
– “Loura…”
– Melhorou.
– “Fazendeira, rica…”
– Epa, muda completamente de figura.
– “Pertencente a tradicional família mineira…”
– Corta essa!
– “Recém-chegada do interior…”
– Então, não custa sondar a barra.
– “Procura companhia masculina…”
– Ainda bem que é masculina. Tou às ordens.
– “Que seja jovem…”
– Você acha que 38 anos está na pauta?
– “Bem intencionado…”
– Nunca fui outra coisa na vida.
– “De fino trato…”
– Não é por me gabar, mas…
– “Conhecedor dos pontos pitorescos do Rio…”
– Que é que ela entende por pontos pitorescos? Eu prefiro pontos estratégicos.
– “Para passeios e …”
– Etc., lógico.
– “Futuro compromisso matrimonial…”
– Corta! Corta!
– É mesmo.
– Aliás, eu não tenho mais de 38. Tinha, semana passada.
– E rica… Rica de que? Talvez de predicados apenas.
– Poxa, até parece que você está querendo a viúva pro seu bico. Pera aí, mau- caráter.
– Eu? Vê lá se eu vou nessa onda de anúncio. Tou prevenindo pra você não se grilar. Viúva, mineira, loura… Se é mineira, não deve ser loura. Se é loura. É artificial. Se é artificial…
– Deixa a viuvinha ser loura e mineira, deixa.
– Olha, eu conheci uma loura que, além de outros negativos, era careca.
– Ora, peruca resolve.
– Sei não, mas tudo isso junto- mineira, viúva, loura, 21 anos, rica…
– Que é que tem?
– É exagero. Não precisava Ter tantas qualidades.
– Foi uma graça de Deus.
– Você não merece tanto.
– Será outra graça de Deus.
– Deus não deve ser assim tão desperdiçado com suas graças.
– Lá vem você querendo dar instruções ao Altíssimo. Perde essa mania.
– Bom, mas você não sabe que mineiro esconde milho até de monjolo?
– Continua.
– “Cartas com sigilo absoluto…”
– Evidente.
– “Indicações pessoais…”
– Minha ficha é mais limpa do que caixa d’água de edifício quanto o síndico vai ao terraço.
– “E fotos…”
– Arrgh! Só tenho 3×4, muito fajuta. Mas tiro de calção, frente, perfil e fundos.
– “Para a portaria desse jornal, sob n° 019 834.”
– Pera aí. Tou anotando. 019?
– 834.
– Legal. 834 é o número de meu edifício, 19 é pavão, que tem a perna dourada. Lê mais.
– Já li tudo, ué.
– Lê outra vez. Repete.
– Vai decorar?
– Vou gravar melhor na nuca, vou raciocinar em bloco, vou…
– Se habilitar, né?
– Correto.
– Calma, rapaz. Sabe lá que espécie de viúva é essa?
– Vou ver pra conferir.
– Pode nem ser viúva.
– E daí?
– Diz que tem 21 anos, mas quem garante que não é modéstia? Às vezes tem três vezes 21.
– Então você admite que ela é mineira.
– E que cria galinha sem ração, na base da parapsicologia?
– Também sou mineiro, uai.
– E nunca me confessou. Eu jurava que você fosse capixaba.
– Fui. Questão de limites, minha terra passou pra banda de cá. Não espalha, sim?
– Me tapeou esse tempo todo.
– Esquece.
– Vai ser dura a parada: mineira loura versus mineiro mascarado.
– Fica em família, né?
– A tradicional?
– As duas. Eu na minha, ela na dela.
– Agora sou eu que digo: tadinha.
– Por quê? Se ela botou anúncio, quer transar. Eu transo. No figurino.
– É verdade que tem muito carioca por aí, muito paulista, muito nortista, espiando maré. Talvez você chegue tarde.
– Duvido. Você sabe que nessas coisas sou meio Fittipaldi. Comigo é Fórmula-1.
– Mineiro contando prosa? Nunca vi isso.
– Bem, mineiro é capaz de contar prosa só pra esconder que é mineiro…
– Chega, amizade, você já ganhou a viuvinha com fazenda e tudo, podes crer!
 

   

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