A Apaixonada Elena, Conto de Alcântara Machado
Extraído do livro Laranja da China
A Apaixonada Elena
(Senhorinha Elena Benedita de Faria)
– Quem é que me leva hoje no Literário?
Ficou esperando a resposta.
Dona Maria da Glória fazia uns desenhos na toalha com a ponta do garfo. Achando muita graça na história do Dico. Esses meninos. Mas o melhor ainda não tinha sido contado: a negra perdeu a paciência e meteu a mão na cara do gerente. A rapaziada por pândega fez uma subscrição e deu uns dois mil e tanto para a negra. E a polícia? Que polícia? Negra decidida está ali.
– Quem é que me leva hoje no Literário, mamãe?
Ficou esperando a resposta.
Dona Maria da Glória falou:
– Vamos para outra sala que aqui está calor demais.
Dico pôs no Panatrope o Franchie and Johnny. E diante do aparelho ensaiava uns passos complicados. Pé direito atrás. Batida de calcanhares. Pé direito na frente. Batida de calcanhares. Saiu andando que nem cavalo de circo.
Elena sentou-se, abriu a revista diante do rosto pôs uma perna em cima da outra.
– Tenha modos. menina!
Suspirou, descruzou as pernas. Dico foi se chegando. Deu um tabefe na revista, fugiu de banda deslizando.
– Chorando! Que é que ela tem, mamãe?
– Sei lá. Bobagens. Pare com essa dança que me estraga o encerado.
Elena levantou-se e as lágrimas caíram.
– Onde é que vai? Sente-se ai!
Dico parou a musica. Foi ficar diante da irmã de beiço caído.
– As lágrimas da mártir.
Dona Maria mandou que o Dico ficasse quieto, não amolasse nem fosse moleque. E mandou Elena enxugar as lágrimas que já estavam incomodando. Dico jogou o lenço no colo da irmã. Elena jogou o lenço no chão por desaforo. Enxugou com a gola da blusa.
– Sou mesmo uma mártir, pronto!
Os olhares da mãe e do irmão encontraram-se bem em cima do vaso de flores de vidro. Despediram-se e se foram encontrar de novo nos olhos molhados da mártir Elena. O Doutor Zósimo veio lá de dentro escovando os dentes. Sacudiu a cabeça para a mulher:
– Que é que há? A mulher esticou o queixo e abriu os braços: Não sei não!
– Malvados! Não querem me levar no Literário!
– Quem é que não quer?
– Vocês!
Então o Doutor Zósimo voltou lá para dentro babando espuma. O Dico pegou o chapéu, beijou o rosto da mãe, curvou-se diante da irmã, fez umas piruetas e saiu cantando o Pinião. Dona Maria da Glória tirou o cachorro do colo. Depois deu uma mirada vaga assim em torno. Depois penteou o cabelo com os dedos. Finalmente bocejou e disse:
– Não seja boba, menina!
E foi embora.
O ruído da rua. O sol entrando pela porta aberta que dava para o terraço. Batiam pratos na copa. O cachorro latindo para o Doutor Zósimo. Esta mesa seria mais bonita se fosse mais baixa.
Elena espreguiçou-se e pôs no Panatrope um disco bem chorado dos Turunas da Mauricéia.
– Que vestido eu visto, mamãe?
– O azul.
Foi. Demorou um pouco. Voltou.
– Está todo amassado, mamãe.
– Então o verde.
– Com aqueles babados?
E repetiu:
– Com aqueles babados indecentes?
E tornou a repetir:
– Com aqueles babados indecentes, horrorosos, imorais?
Dona Maria da Glória estava na página dos anúncios.
– Em que vapor partiu a Dulce mesmo?
– Como é que a senhora quer que eu me lembre?
– Não seja insolente!
Fechou-se no quarto. Cinco minutos se tanto. Abriu a porta. Disse da porta:
– Eu vou pôr o novo futurista.
– Ponha o verde já disse!
– Oh desgraça, meu Deus!
Se o Zósimo continuasse a não fazer caso ela como mãe estava decidida: curaria aquele nervosismo a chinelo.
A toda hora olhava o ponteiro dos minutos. Já querendo ir embora. Vinte para as oito. Às oito acaba com o hino nacional. No fundo dança não passa de uma sem-vergonhice muito grande. A gente conta na certa com uma coisa: vai a cousa não acontece. As primas não paravam sentadas. Há moças que tiram seus pares de longe: é um jeito de olhar.
Voltar para casa, ler na cama a revista de Hollywood, procurar dormir. Com aquele calorão. E amanhã bem cedo: dentista. A vida é pau. Dez para as oito.
Dez para as oito Firmianinho apareceu. Começou a inspeção pelo lado esquerdo. Foi indo. No canto direito parou. Veio vindo. Chegou. Enfim chegou.
– Boa noite.
– Boa noite.
Tanta aflição antes e agora este silêncio. Dançavam empurrados. Não valeu de nada ter preparado a conversa. Tinha uma pergunta para fazer. Não era bem uma pergunta. Endireitando o busto parecia que se dominava. Felizmente repetiram o maxixe.
– Sabe que comprei um Reo? 22.222.
– Bonitinho?
– Assim assim. Dezoito contos.
Para que dizer o preço? Matou a conversa no princípio. Não tendo coragem de ver precisava perguntar. Então imaginava um modo, imaginava outro cada vez mais nervosa. E dançavam. O maxixe está com jeito de estar acabando. Perguntava agora. Daqui a pouco. No finzinho. Não perguntaria: olharia e pronto. O hino nacional continuou o maxixe.
– Tirou as costeletinhas?
– Ainda não viu?
Ora que resposta.
Quando pararam junto das primas dela ele virou bem o rosto de propósito. Tirou sim. Agora sim. Isso sim.
Despediram-se com muita alegria.
Chegou em casa foi direitinho para o quarto. Tirou o chapéu em frente do espelho. Guardou a bolsa. Ia tirar o vestido de bordados indecentes, horrorosos, imorais. Mas se jogou na cama com os olhos cheios de lágrimas.