quinta-feira, abril 18, 2024

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Artur AzevedoContos, Crônicas e Poesias

O Velho Lima, Conto de Artur Azevedo

O Velho Lima

O velho Lima, que era empregado — empregado antigo — numa da nossas repartições públicas, e morava no Engenho de Dentro, caiu de cama, seriamente enfermo, no dia 14 de novembro de 1889, isto é, na véspera da proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil.
O doente não considerou a moléstia coisa de cuidado, e tanto assim foi que não quis Médico: bastaram-lhe alguns remédios caseiros, carinhosamente administrados por uma nédia mulata que há vinte e cinco anos lhe tratava com igual solicitude do amor e da cozinha. Entretanto, o velho Lima esteve de molho oito dias.
O nosso homem tinha o hábito de não ler jornais, e, como em casa nada lhe dissessem (porque nada sabiam), ele ignorava completamente que o Império se transformara em República.
No dia 23, restabelecido e pronto para outra comprou um bilhete, segundo o seu costume, e tomou lugar no trem, ao lado do Comendador Vidal, que o recebeu com estas palavras:
— Bom dia, cidadão.
O velho Lima estranhou o cidadão, mas de si para si pensou que o Comendador dissera aquilo como poderia ter dito ilustre, e não deu maior importância ao cumprimento, limitando-se a responder!
— Bom dia, Comendador.
— Qual Comendador! Chama-me Vidal! Já não há Comendadores!
— Ora essa! Então por quê?
— A República deu cabo de todas as comendas! Acabaram-se!…
O velho Lima encarou o Comendador, e calou-se, receoso de não ter compreendido a pilhéria.
Passados alguns segundos, perguntou-lhe o outro:
— Como vai você com o Aristides?
— Que Aristides?
— O Silveira Lobo.
— Eu?… onde?… como?…
— Que diabo! pois o Aristides não é o seu ministro? Você não é empregado de uma repartição do Ministério do Interior?
Desta vez não ficou dentro do espírito do velho Lima a menor dúvida de que o Comendador houvesse enlouquecido.
— Que estará fazendo a estas horas o Pedro II? perguntou Vidal, passados alguns momentos. Sonetos, naturalmente, que é o do que mais se ocupava aquele tipo!
— Ora vejam, refletiu o velho Lima, ora vejam o que é perder a razão: este homem quando estava nos eu juízo era tão monarquista, tão amigo do imperador.
Entretanto, o velho Lima indignou-se, vendo que o subdelegado de sua freguesia, sentado no trem, defronte dele, aprovava com um sorriso a perfídia do Comendador.
— Uma autoridade policial! murmurou o velho Lima.
— Eu só quero ver como o ministro brasileiro recebe o Pedro II em Lisboa; ele deve chegar lá no princípio do mês.
O velho Lima comovia-se:
— Não diz coisa com coisa, coitado!
— E a bandeira? Que diz você da bandeira?
— Ah, sim… a bandeira… sim… repetiu o velho Lima para o não contrariar.
— Como a prefere: com ou sem lema?
— Sem lema. respondeu o bom homem num tom de profundo pesar; sem lema.
— Também eu; não sei o que quer dizer bandeira com letreiro.
Como o trem se demorasse um pouco mais numa das estações, o velho Lima voltou-se para o subdelegado, e disse-lhe:
— Parece que vamos ficar aqui! está cada vez pior o serviço da Pedro II!
— Qual Pedro II! bradou o Comendador. Isto já não é de Pedro II! Ele que se contente com os cinco mil contos!
— E vá para a casa do diabo! acrescentou o subdelegado.
O velho Lima estava atônito. Tomou a resolução de calar-se.
Chegado à praça da Aclamação. entrou num bonde e foi até a sua secretaria sem reparar em nada nem nada ouvir que o pusesse ao corrente do que se passara.
Notou, entretanto, que um vândalo estava muito ocupado a arrancar as coroas imperiais que enfeitavam o gradil do parque da Aclamação…
Ao entrar na secretaria, um servente preto e mal trajado não o cumprimentou com a costumeira humildade; limitou-se a dizer:
— Cidadão!
— Deram hoje para me chamar de cidadão! pensou o velho Lima. Ao subir, cruzou na escada com um conhecido de velha data.
— Oh! você por aqui! Um revolucionário numa repartição do Estado!…
O amigo cumprimentou-o cerimoniosamente.
— Querem ver que já é alguém! refletiu o velho Lima.
— Amanhã parto para a Paraíba, disse o sujeito cerimonioso, estendendo-lhe as pontas dos dedos; como sabe, vou exercer o cargo de chefe da polícia. Lá estou ao seu dispor.
E saiu.
— Logo vi! Mas que descarado! Um republicano exaltadíssimo!…
Ao entrar na sua seção, o velho Lima reparou que haviam desaparecido os reposteiros.
— Muito bem! disse consigo; foi uma boa medida suprimir os tais reposteiros pesados, agora que vamos entrar na estação calmosa.
Sentou-se, e viu que tinham tirado da parede uma velha litografia representando D. Pedro de Alcântara. Como na ocasião passasse um contínuo, perguntou-lhe:
— Por que tiraram da parede o retrato de sua majestade?
— Ora, cidadão, que fazia ali a figura do Pedro Banana?
— Pedro Banana! repetiu raivoso o velho Lima.
E, sentando-se, pensou com tristeza:
— Não dou três anos para que isto seja república.

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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