segunda-feira, março 18, 2024

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Contos, Crônicas e PoesiasGuerra Junqueiro

Perfeição das obras de Deus, Conto de Guerra Junqueiro

Perfeição das obras de Deus

 
A FILHA
Oh! mamã quebrou-se-me a agulha.
A MÃE
Vou-te dar outra.
A FILHA
Como se fazem as agulhas, mamã?
A MÃE
Vê se adivinhas.
A FILHA
Não Sei, mamã.
A MÃE
Conheces os metais
A FILHA
Conheço mamã; tenho lá dentro muitos bocadinhos dentro de uma caixa.
A MÃE
Ora muito bem, dize-me lá, as agulhas são de pau, de pedra, de mármore?
A FILHA
Oh! não; são de metal; mas de que metal?
A MÃE
Antes de perguntar qualquer coisa, vê sempre se a adivinhas primeiro.
A FILHA
Ora espere!… uma agulha é de metal: não é de prata, porque não é branca; não é de ouro, porque não é de um lindo amarelo muito brilhante; não é de cobre, porque não é de um amarelo muito feio, que cheira mal… Então é de ferro, mamã?
A MÃE
Adivinhaste.
A FILHA
Mas, mamã, o ferro não é liso e brilhante como as agulhas.
A MÃE
É que é primeiro polido e preparado de certo modo, e depois já se não chama ferro, é aço.
A FILHA
Bem, as agulhas são de aço. Agora quero adivinhar como é que as fazem.
A MÃE
É impossível, não és capaz disso; mas hei de levar-te a uma fábrica onde se fazem agulhas. Hás de vê-la fazer, e hás de gostar muito.
A FILHA
Tinha vontade de saber como se fazem todas as coisas de que nos servimos.
A MÃE
Tens razão; é uma vergonha ignorá-lo.
A FILHA
Mamã, deixe-me ver as suas agulhas.
A MÃE
Olha, aí tens o meu estojo.
A FILHA
Meu Deus! Que pequeninas algumas! Que lindas! São tão fininhas, tão fininhas!… Muita habilidade há de ser necessária para fazer uma coisinha tão delicada!
A MÃE
Lembras-te de ver na feira um carrinho de marfim puxado por uma pulga, presa por uma cadeia de ouro?
A FILHA
Lembro, mamã; era tão bonito!
A MÃE
Li num jornal alemão que um operário chamado Nerlinger fez um copo de um grão de pimenta, e que dentro deste copo havia mais doze…
A FILHA
Que pequeninos deviam ser os doze copos para caberem num grão de pimenta!
A MÃE
E ainda não é tudo; cada um desses copinhos tinha as bordas doiradas, e sustentava-se no pé.
A FILHA
Que vontade eu tinha de ver isso!
A MÃE
Tens razão de te admirares da habilidade dos homens. É Efetivamente espantoso, e deve saber-se, o modo porque se fabricam certas coisas; contudo ainda há outras obras mais dignas de admiração.
A FILHA
Quais, mamã?
A MÃE
Já to digo. (Levanta-se)
A FILHA
Que quer, mamã?
A MÃE
Quero que vejas o microscópio de teu papá.
A FILHA
Pois sim; eu gosto de olhar pelo microscópio.
A MÃE
Este é magnífico, e aumenta prodigiosamente os objetos. Vais ver a mais pequenina das minhas agulhas. Repara primeiro como é fina, lisa e brilhante… Agora olha; o que é que vês?
A FILHA
Meu Deus, que coisa tão feia! que agulha tão grosseira!
A MÃE
Vês-lhe buracos, riscos, asperezas, não é verdade?
A FILHA
Parece um prego muito grande e muito mal feito.
A MÃE
Pois todas essas imperfeições são verdadeiras, existem na agulha; a nossa vista, por ser muito fraca, é que não dá por elas.
A FILHA
O operário que fez esta agulha ficaria envergonhado, se a visse ao microscópio.
A MÃE
Tiremos a agulha, e vejamos outra coisa.
A FILHA
O quê, mamã?
A MÃE
O aguilhãozinho de uma abelha.
A FILHA
Oh! que pequenino, que bonito!… Como é liso, como é brilhante!… Mas já sei que visto ao microscópio há de acontecer o mesmo que com a agulha.
A MÃE
Pronto: olha.
A FILHA (olhando)
É esquisito, mamã!
A MÃE
Então?
A FILHA
Aumentou, aumentou como a agulha, mas não é áspero, pelo contrário, é perfeitamente liso… A agulha parecia que não tinha ponta, e o ferrãozinho da abelha tem uma ponta tão fina como um cabelo. Porque será isto, mamã?
A MÃE
É porque o operário que fez este aguilhão é muito mais hábil do que o que fez a agulha.
A FILHA
Quem é esse operário tão hábil?
A MÃE
É o mesmo que fez o céu, os astros, a terra, as plantas e as criaturas.
A FILHA
É Deus.
A MÃE
Exatamente. Pois não é Deus que fez as abelhas e todos os animais?
A FILHA
Decerto.
A MÃE
Foi ele por conseguinte que fez o aguilhão desta abelha; e aí tens porque o aguilhão é superior à agulha: é obra de Deus. Mas continuemos a olhar pelo microscópio. Aqui está um pedacinho de musselina finíssima. Olha pelo microscópio; o que é que vês?
A FILHA
Vejo uma rede grossa, desigual, muito mal feita.
A MÃE
Aqui tens agora um pedacinho de renda delicadíssima.
A FILHA
Essa estou bem certa que há de ser linda, mesmo vista pelo microscópio.
A MÃE
Então?
A FILHA
É horrorosa… Parece feita de pelos grosseiros com grandes buracos desiguais.
A MÃE
As obras do homem são todas assim.
A FILHA
Oh! mamã, vejamos agora as obras de Deus.
A MÃE
Sabes o que é isto?
A FILHA
Sei, mamã, é um casulo de bicho de seda.
A MÃE
Os fiozinhos que o compõem são muito finos, muito lisos; olha pelo microscópio a ver se te parecem desiguais.
A FILHA (olhando pelo microscópio)
Não, mamã; os fios são todos iguais, e o casulo é sempre muito liso, muito brilhante.
A MÃE
É porque é obra de Deus. Examinemos outras coisas. O que há sobre este papel?
A FILHA
Pontinhos feitos com tinta e manchazinhas redondas feitas também com tinta.
A MÃE
Estes pontinhos e estas manchas parecem-te perfeitamente redondos?
A FILHA
Sim, mamã, perfeitamente redondos.
A MÃE
Vê-os agora ao microscópio.
A FILHA
Oh! já não são redondos, são todos desiguais.
A MÃE
Tira o papel; vejamos a obra de Deus. É uma asa de borboleta; vês que está mosqueada de pequeninas manchas redondas; olha pelo microscópio; o que é que vês?
A FILHA
Vejo a mesma coisa que via sem o vidro, só com a diferença que agora é maior. Que belas que são as obras de Deus!
A MÃE
Merece bem a pena estudá-las.
A FILHA
Decerto. Farei sempre por isso, comparando-as com as obras dos homens.
A MÃE
E sempre e em tudo hás de encontrar defeitos nas obras do homem, enquanto que as obras de Deus, quanto mais se observam, mais perfeitas se acham. Deve isto fazer-nos meditar em duas coisas: a primeira é que Deus merece tanto a nossa admiração como o nosso amor; a segunda é que os homens orgulhosos são insensatos, porque não podem fazer nada perfeitamente belo, perfeitamente regular, e as suas obras mais primorosas são cheias de imperfeições, se as compararmos com as obras do Criador.

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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